VIII OLIMPÍADAS NACIONAIS DE FILOSOFIA ENSAIO




VIII OLIMPÍADAS NACIONAIS DE FILOSOFIA

ENSAIO


Maria Ana Dinis Correia da Silva, 11.º B_Colégio Casa Mãe



2018/2019


Seremos livres… ou marionetas?


Num mundo onde o louvor e a censura são as bases da educação que recebemos enquanto cidadãos, onde a escola e os tribunais se encarregam de ensinar as diferenças entre o correto e o errado, e onde a responsabilidade moral está presente na vida quotidiana de cada um, é de realçar o problema do livre-arbítrio, que debate acerca da compatibilidade entre o livre-arbítrio e o determinismo. Deste modo, seremos realmente livres, donos das nossas decisões e autores do nosso caminho? Ou marionetas limitadas pelo passado e controladas pelo destino?
De facto, note-se a importância do estudo do tema apresentado, bem como a realização deste ensaio, na medida em que é pretendido analisar as teorias relativas a este assunto, com a finalidade de interpretar possíveis visões. Em adição, a inteira finalidade da ética, que investiga sobre os princípios e finalidades das ações humanas e teoriza sobre os fundamentos que suportam e estruturam os sistemas prático-morais, depende da autonomia e responsabilidade dos indivíduos.
Entenda-se por livre arbítrio a capacidade de decisão, de escolha livre, aquilo que nos torna autónomos. Por outro lado, o determinismo defende que a causas anteriores se seguem efeitos inevitáveis, pelo que tudo se encontra determinado por fenómenos anteriores, ou seja, tal como afirma Peter Van Inwagen (1983) “ as nossas ações são consequências das leis da natureza e de acontecimentos que ocorreram num passado remoto. ”, surgindo independentes do agente, e totalmente causadas pelo destino.
Aliadas ao determinismo, são evidentes as condicionantes humanas que, para além de definirem o ser humano, também restringem as suas ações e comportamentos. São, portanto, notórias as condicionantes histórico-culturais, que remetem para a cultura em que nascemos e em que estamos inseridos, nomeadamente as suas tradições, costumes, formas de pensar e padrões de comportamentos, bem como as condicionantes físico-biológicas, que dizem respeito à estrutura dos indivíduos, correspondendo à estrutura do corpo, características pessoais e identidade genética, como por exemplo o facto de serem bípedes, que, embora possibilitem várias ações, restringem outras, como se verifica na incapacidade de voar. Para além destas, também os direitos e a ética universais condicionam o comportamento humano. Será importante realçar que a ética, que humaniza as leis e as torna sensíveis ao agente, reflete sobre as normas e juízos morais vigentes numa sociedade, sendo que, neste contexto, o direito aliado à ética é uma forma de condicionar as ações humanas num loca público de forma clara e eficaz, através de leis, que são conjuntos de regras jurídicas de carácter coercivo.
Desta forma se clarifica o modo como o ser humano é condenado pelos seus atos, sendo inteiramente responsabilizado pelos mesmos.
A compatibilidade entre o determinismo e o livre-arbítrio foi discutida por diversos filósofos ao longo dos tempos, filósofos que, na busca de uma verdade, pretendiam averiguar se o ser humano era livre nas escolhas que fazia, ou se tudo era o desfecho de comportamentos passados. Desta forma, surgem as perspetivas compatibilistas e incompatibilistas.
Em primeiro lugar, o determinismo radical, apoiado por Espinosa, é a teoria segundo a qual o determinismo é verdadeiro e o livre-arbítrio é falso, não passa de uma ilusão. Assim, a natureza parece assentar em regularidades, um facto também defendido por David Hume, que alega uma conexão necessária entre um conjunto de acontecimentos, refletido no Princípio da Uniformidade da Natureza (PUN), que, resultando do hábito, apenas é psicologicamente, e não demonstrativamente ou indutivamente, justificável, o que, por si só, não garante a verdade desta conclusão. Posto isto, verifica-se que a causas anteriormente verificáveis, seguem-se efeitos inevitáveis, como se pode verificar quando, numa tempestade, os raios seguem sempre os trovões. Uma vez que o ser humano é inerente à natureza, então está exposto à mesma lei da causalidade, isto é, “as nossas ações são consequências das leis da natureza”, em que todos os comportamentos já estavam definidos anteriormente, no momento em que a causa sucedeu.
Com efeito, adotando a perspetiva do determinismo radical, o ser humano, visto que todos os comportamentos são o desfecho de atitudes passadas, fora do alcance de cada um, não poderá ser responsabilizado moralmente pelos seus atos, não tendo autonomia para decidir livremente logo, não poderá ser digno de louvor ou censura.
Uma das críticas mais plausíveis ao determinismo radical radica nesse mesmo ponto. Como foi anteriormente notado, a ética, o direito e a política são importantes fatores num regime democrático, tratando do bem-comum da sociedade, e da regulação do seu comportamento, atribuindo sanções a quem perturba o seu bem-estar. Ora, admitir a existência de determinismo implica negar a responsabilidade moral de cada um, ou seja, iríamos renegar a todas as formas de condenação e louvor em que a sociedade se baseia. Para exemplificar, parece incoerente e chocante atribuir o mesmo valor moral às ações de Adolf Hitler e Gandhi. Desta forma, afasta-se a hipótese do determinismo radical, já que em todo o mundo se estabelecem leis que castigam quem não as cumpre, estando, automaticamente, a responsabilizar os praticantes de crimes.
De modo a fundamentar esta crítica apontada ao determinismo radical, atente no seguinte argumento:
(1)   Se o determinismo existe, então o ser humano não é digno de louvor nem censura.
(2)   O ser humano é digno de louvor e censura
(3)   Logo, o determinismo não existe
Em segundo lugar, o libertismo, apoiado por filósofos como Sartre, é uma perspetiva que defende que nem todas as ações estão submetidas ao mesmo tipo de causalidade, sendo que podem depender da nossa vontade. Desta forma, o livre-arbítrio existe, ao contrário do determinismo, que afirma que todas as ações obedecem à lei da causalidade. Contudo, o problema dos libertistas é explicar como é que nós somos livres nas nossas ações, quando estas não são aleatórias, mas estão condicionadas por fenómenos passados. Também a perspetiva do indeterminismo nega a existência da causalidade, defendendo acontecimentos aleatórios, como é o caso do comportamento das moléculas e das partículas, na bioquímica.
São, então, evidentes as teorias principais que não consideram possível conciliar estes dois conceitos. Não obstante, a perspetiva compatibilista, que vai de encontro ao meu ponto de vista, reflete-se no determinismo moderado.
O determinismo moderado apresenta uma possível associação entre a lei da causalidade e a capacidade de decisão. Assim, embora os filósofos não neguem que existem uma relação causa-efeito que rege a natureza e os seres humanos, estes afirmam terem livre arbítrio na medida em que têm ações livres quando não são coagidos por fatores externos a fazerem o que fazem. Para melhor ilustrar esta situação, pense-se numa situação em que o Senhor T., que era um excelente aluno na escola, e era igualmente notável a todas as disciplinas, sendo todas, para si, agradáveis e, no ensino secundário, optou por uma área de Línguas e Humanidades. Imagine-se agora uma outra situação hipotética em que o Senhor T. apenas optou por um curso de humanidades para escapar à disciplina de matemática. Conclui-se, portanto, que apenas na segunda situação o agente foi influenciado por fatores externos, o que o levou a optar por um curso diferente daquele que escolheria em circunstâncias diferentes, sendo correto afirmar que não agiu livremente.
Com efeito, o determinismo moderado é a posição que considero a mais plausível, visto não negar a causalidade nem o alvedrio. Em síntese, dentro das limitadas consequências das ações do passado, o agente é livre quando age livremente dentro das opções que lhes são atribuídas, não sendo influenciado por nenhum fator externo.
Todavia, como a teoria não é imune a críticas, salienta-se o facto de terem acontecido fenómenos no passado que moldam a nossa personalidade, bem como as condicionantes humanas, que nos cingem a determinadas culturas ou padrões de comportamento, sendo que, por exemplo, a educação que um indivíduo recebe será influenciadora das escolhas que faz no futuro.
Segundo a minha opinião, é evidente que há fatores que influenciam as nossas escolhas, no entanto, e sendo o planeta terra um local com grande diversidade, o agente é livre de viajar, conhecer novas culturas, adotar novos padrões de comportamento ou até mesmo, em nome da dita verdade, afastar-se dos seus dogmas rigidamente formulados, das ideias preconcebidas e falaciosas e aceitar crenças mais plausíveis e verdadeiras, estando, desta maneira, suscetível a diversos pontos de vista, o que permitirá que, mesmo condicionado por fatores biológicos e físicos, o seu conhecimento aumente, os valores, que são hierarquizáveis e podem alterar o grau de importância ao longo das experiências vividas, e a maneira de encarar as situações alterem, o que fará aumentar o leque de escolhas em cada situação. Com efeito, o indivíduo terá acesso a imensos modos de pensar, influenciados por muitas culturas, e, assim, conhecendo as demais vertentes de cada caso, conseguirá escolher de forma sensata.
Para corroborar o meu ponto de vista, note-se a alusão ao filósofo Descartes e à segunda certeza cartesiana: a existência de Deus. Seguindo um raciocínio lógico, o racionalista dogmático chega à conclusão que o ser humano possui entre as ideias inatas, ideias nascidas connosco, como a marca do criador no ser criado à sua semelhança e imagem, a noção de perfeição. Uma vez que o agente é imperfeito, e não poderá criar nada mais perfeito do que ele, este conceito teve de ser introduzido por um ser, também, perfeito. Sabendo que a existência é condição necessária à perfeição, é evidente que Deus, uma figura perfeita, por ser sumamente bom, omnipotente, omnipresente, e omnisciente, existe. Atente-se no seguinte argumento.
(1)   Se Deus, sumamente bom, existe, então o agente é dotado com as faculdades e as capacidades intelectuais necessárias para decidir com sensatez e praticar o bem.
(2)   Deus existe.
(3)   Logo, o agente é dotado com as faculdades e as capacidades intelectuais necessárias para decidir com sensatez e praticar o bem
Porque o agente possui os materiais necessários para poder escolher e definir, assim, o seu carácter, não fará sentido pensar que não lhe é possível fazer escolhas livres, pois, se isso não estivesse ao seu alcance, de nada lhe serviria ser o detentor de capacidades intelectuais.
Ao considerar a existência total do determinismo, estaremos a aceitar que as consequências dos nossos atos não revestem qualquer tipo de perigo para nós, os agentes, visto não podermos ser alvo de crítica ou elogio pelos nossos feitos. Contudo, e analisando o papel que a ética, a política e o direito exercem na sociedade democrática, será incoerente pensar que não somos nem devemos ser responsabilizados pelas nossas ações, visto que isso iria ser o início de uma era indisciplinada e de revolta, já que, não havendo responsabilidade moral nem condenações, a ética e as leis de nada serviriam, pois os comportamentos seriam o desfecho de causas anteriores, não implicando consequências para o agente. A justiça retributiva perderia a sua finalidade, visto não serem permitidas sanções a quem quebra as leis, o que se iria tornar mais frequente e devastador.
Desde o início dos tempos que os indivíduos são responsáveis pelas suas ações, uma ideologia que leva a que uns sejam severamente culpados e outros lisonjeados. Tome-se o exemplo do filósofo grego Sócrates, que, no período da Grécia Antiga, era opositor ao método de manipulação utilizado pelos sofistas, e tentava manter o espírito crítico dos jovens. Assim, foi julgado e encararam o facto de ele levar os jovens a refletir por si um crime, tendo enfrentado a pena de morte por bebida venenosa.
Sendo a minha opinião final que, embora condicionado por diversos fatores que não dependem de nós, o ser humano pode, efetivamente, ser livre quando escolhe dentro das várias alternativas que lhe são apresentadas, sem constrangimentos. Desta forma, agimos de forma voluntária, intencional e consciente, e somos autónomos e moralmente responsáveis pelas nossas ações, e, por esse motivo, as consequências dos nossos atos dependem exclusivamente de nós, com a exceção de termos sido constrangidos a praticar algo. 
Somos, então, uma marioneta cujos fios se soltam à medida que damos um passo em direção à verdade e ao bem.



 Ensaio Filosófico realizado pela aluna Maria Ana Dinis, na VIII Edição das Olimpíadas Nacionais de Filosofia, que decorreram na Escola Secundária António Damásio nos dias 3 e 4 de maio de 2019







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