Inexistência do livre-arbítrio

 

O que comeu ao pequeno-almoço? Estava delicioso? Era de comer e chorar por mais? O que quer que fosse, não escolheu comê-lo. Pode pensar que sim, no entanto, tal não ocorreu. E embora possa ter tido a perceção consciente dessa escolha — cereais ou torrada? leite ou café? — e lembrar-se de tomar uma decisão ativa, o facto é que não poderia ter escolhido qualquer outra opção. Qualquer decisão que acha que poderia ter tomado foi simplesmente uma ilusão. E este acontecimento não ocorre somente durante o pequeno-almoço. Ou almoço. Ou jantar. Ou mesmo qualquer outra decisão que se lembra de ter feito. Tudo o que fez não poderia ter acontecido de outra forma. É esta mesma questão que o Problema do livre-arbítrio aborda.

Este consiste em averiguar se a crença no livre-arbítrio é compatível com a crença no determinismo, isto é, se ambas as crenças são verdadeiras.

A primeira questão que temos de colocar é, naturalmente, a definição de livre-arbítrio. E já que estaremos a negar a existência deste, temos de utilizar uma definição que também aqueles que defendem a existência de livre-arbítrio consideram correta. Ou seja, apenas podemos afirmar que o livre-arbítrio não existe se tivermos a certeza de que todos nós temos a mesma definição do mesmo. Então, por uma questão de facilidade, apresentaremos a definição mais sucinta e menos controversa a que fomos capazes de chegar: o livre-arbítrio é a capacidade de ter agido de forma diferente. Por outras palavras, se hipoteticamente, em qualquer situação, recuássemos no tempo, seríamos completamente capazes de ter agido de uma forma diferente. Por exemplo, teria sido completamente possível para si estar a fazer qualquer outra ação senão ler este ensaio filosófico, e a escolha de o fazer estava completamente dentro do seu controlo. A ideia principal é que nós temos total controlo sobre as nossas ações, e quaisquer decisões que tomemos são determinadas apenas pelo nosso próprio consciente.

Por sua vez, o determinismo é a doutrina segundo a qual todos os acontecimentos têm uma causa e, assim, sempre que a causa acontece necessariamente ocorrerá o efeito. Existem dois tipos gerais de teorias que tentam responder ao problema do livre-arbítrio: o compatibilismo e o incompatibilismo.

O compatibilismo, ou determinismo moderado, defende que as crenças no livre-arbítrio e no determinismo são compatíveis, ou seja, são ambas verdadeiras. Por outro lado, o incompatibilismo defende que uma das crenças é falsa e que, por conseguinte, o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo. Esta subdivide-se em duas outras teorias incompabilistas: o determinismo radical e o libertismo.

Os apoiantes do determinismo radical defendem que o determinismo é verdadeiro. Deste modo, esta teoria afirma que todos os acontecimentos, sem exceção, são causalmente determinados por acontecimentos anteriores. Sendo que as escolhas e ações humanas são acontecimentos, estas também são causalmente determinadas, logo não há ações livres. Assim sendo, não podemos ser responsabilizados pelas nossas ações, na medida em que a liberdade implica responsabilidade.

Ademais, o determinismo moderado, afirma que é possível conciliar o determinismo (todas as ações são causadas) com a liberdade e a responsabilidade. Há ações livres cuja causa está em nós e pelas quais somos responsáveis. Assim, esta teoria defende que todas as ações humanas têm uma causa, sendo essas causas internas ou externas e agimos livremente quando não somos forçados, compelidos ou coagidos por forças externas (as ações livres são ações provocadas pelas nossas crenças e desejos). Neste sentido, somos causalmente determinados, bem como livres e responsáveis pelo que fazemos.

Por outro lado, o libertismo é uma outra doutrina incompatibilista ao problema do livre-arbítrio. Segundo os libertistas nem todos os acontecimentos estão submetidos ao mesmo tipo de causalidade. A causalidade natural rege um mundo físico e os agentes humanos são causas de ações que produzem efeitos no mundo. Deste modo, a causalidade livre é própria de certas ações dos seres humanos que não são o desfecho inevitável de ações anteriores. Assim, existem ações livres e os seres humanos são responsáveis por elas – o determinismo é falso e a crença no livre-arbítrio é verdadeira.

A nosso ver, como referido anteriormente, não existe livre-arbítrio e, portanto, defenderemos a teoria do determinismo radical, sendo que todos os acontecimentos são determinados por causas anteriores e, neste sentido, negamos a existência de ações livres.

Vamos começar por considerar o que teria que ser necessariamente verdade, a fim de realmente ter total livre-arbítrio. Ora, em primeiro lugar, necessitamos de estar cientes de que literalmente tudo influencia as nossas ações. Existem condicionantes físico-biológicas e condicionantes histórico-culturais, constituindo, assim, obstáculos que impõem limite às nossas ações, mas também constituem um quadro de possibilidades, dentro dos quais o ser humano pode exercer a sua liberdade e, assim, abrir um horizonte de outras possibilidades. Contudo, nenhuma destas imposições é verdadeira, ou até mesmo possível.

Sendo assim, nós não podemos controlar todos os fatores que nos levaram a, por exemplo, gostar de um certo sabor de gelado, mas nós ainda estamos em controlo completo sobre se escolhemos chocolate ou baunilha. Esta linha de pensamento está completamente errada. Novamente, consideremos a mais simples das opções: chocolate ou baunilha. O que nos faria escolher baunilha em vez de chocolate? Apenas há uma resposta possível, que iremos elaborar em breve.

Nós precisaríamos de querer chocolate mais do que baunilha para escolher a primeira opção, mas será que isto é algo que nós possamos controlar? Podemos controlar o que queremos? Não. Consideremos, hipoteticamente, que queremos não querer agredir alguém. Podemos escolher querer fazer tal coisa? Isto não é equivalente a escolher fazê-lo; nós poderíamos optar por o querer? Não. Tal como não poderíamos escolher querer chocolate em vez de baunilha. Apenas queremos mais o sabor de chocolate do que o sabor de baunilha. É um facto sobre nós que não somos capazes de mudar. Claro que não podemos escolher querer baunilha em vez de chocolate quando realmente queremos chocolate.

No entanto, o que aconteceria se escolhêssemos baunilha, estando nós plenamente conscientes de que preferimos chocolate? Ainda enfrentaríamos o mesmo problema. Para fazer isso, precisaríamos de "querer" recuperar o nosso livre-arbítrio. E porque é que o nosso desejo de provar este ponto é mais forte do que o desejo de ter o gelado que preferimos? Se não fosse deste modo, tê-lo-íamos escolhido.

Assim, podemos concluir que não é possível determinar os nossos desejos. Por um instante, pense em algo que quer e tente não querer. Pense em algo que não quer e tente querer essa mesma coisa. Não é possível. E mesmo que fosse, a fim de mudar um “não quero” num “quero”, precisaria de querê-lo. E vice-versa. Para transformar um desejo num “não quero”, precisaria de querer não querer. Nós simplesmente não podemos controlar o que queremos.

Na verdade, é impossível fazermos qualquer coisa por qualquer outra razão se não uma destas duas: porque queremos ou porque somos forçados a fazê-lo, sem exceções.

No entanto, uma objeção bastante comum a esta ideia é a seguinte: considere ir ao ginásio. A maioria das pessoas não quer ir ao ginásio, mas fazem-no na mesma. Certamente este é um exemplo de alguém que faz algo livremente, e não porque quer ou é forçado a fazê-lo. Porém tem de haver uma razão para ir ao ginásio, e para a maioria das pessoas, é uma forma de nos mantermos saudáveis, aumentar a nossa esperança de vida, entre outras. Logo, temos que colocar novamente a pergunta fundamental: porque é que o desejo de ser saudável é mais forte do que o desejo de ir ao ginásio? Simplesmente o é. Ou talvez não o seja.

Novamente, temos de nos lembrar de que nós não somos capazes de controlar a força ou o objeto dos nossos desejos. Então, quando "não queremos" fazer algo, mas mesmo assim o fazemos, isto só acontece devido a um desejo ser mais forte do que o desejo de fazer algo que queremos. Por outras palavras, todas as nossas ações são controladas pelas nossas necessidades. Este é o nosso principal argumento no que toca à inexistência do livre-arbítrio.

Por conseguinte, se formos forçados a fazer algo, então definitivamente não estamos a agir livremente. E se quisermos fazer algo? Como já concluímos que não podemos controlar os nossos desejos, então ações motivadas por desejos também não são realmente livres. Logo, ser forçado a fazer algo não é livre-arbítrio e querer fazer algo também não é livre-arbítrio. Mas ser forçado ou querer fazer algo são as únicas razões pelas quais fazemos o que quer que seja.

Então porque é que nós sentimos a ilusão de que temos de facto livre-arbítrio? Em primeiro lugar, é fácil de perceber que esta ilusão é bastante benéfica para a nossa evolução enquanto espécie humana. Mas mais do que isso, é porque realmente existe uma diferença entre “saltar” e “ser empurrado”. Isto é, há uma diferença na experiência entre ser forçado a fazer algo e fazer algo porque queremos.

Por exemplo, consideremos que, hipoteticamente, saltamos de um palco. Deste modo, seríamos o agente da ação. Consideremos agora que somos empurrados do palco. A diferença entre estes dois eventos resume o que é importante relativamente à noção de livre-arbítrio. Daí a necessidade de esclarecer a definição de livre-arbítrio no início deste ensaio, a definição que a maioria das pessoas considera é "a capacidade de fazer tudo aquilo que quisermos". No entanto, esta noção é errada.

A razão pela qual achamos que existe uma diferença experiencial entre “saltar” e “ser empurrado” é porque se estamos a definir o livre-arbítrio como "a capacidade de fazer tudo aquilo que quisermos", então estaremos a exercitar o livre-arbítrio quando “saltamos”, mas não quando “somos empurrados”. Mas se pensarmos nesta definição. O que significa fazer o que quisermos? Lembre-se de que não podemos controlar os nossos desejos, então ao fazer tudo aquilo que quisermos, estamos a agir de acordo com algo que está fora do nosso alcance. Seria mais correto dizer, ao invés de fazer tudo aquilo que quisermos, que podemos fazer aquilo que quisermos.

Em conclusão, sim, podemos fazer o que quisermos. Mas, não podemos escolher o que queremos. E onde está a liberdade nisso?

O livre-arbítrio é inexistente.


https://blogs.scientificamerican.com/observations/yes-free-will-exists/

 

Maria Tavares - nº7, 11ºA; Margarida Menezes – nº5, 11ºB; Nádia Pinto – nº5, 11ºC

Filosofia 2021/ 2022

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